Estudo revela: Lixo marinho presente em 90% dos locais examinados nas profundezas do oceano brasileiro!

Resíduos foram detectados a profundidades superiores a 200 metros ao longo das costas de SC e SP

Agência Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo)

A preocupante incidência de lixo nos oceanos tem sido objeto de crescente atenção e pesquisa. No entanto, as avaliações sobre o lixo no oceano profundo, situado a mais de 200 metros de profundidade, são escassas.

Um Planeta em Mutação

Novo estudo chocante revela a extensão do lixo marinho no talude continental do Sul e Sudeste do Brasil. Publicado na revista Marine Pollution Bulletin, o relatório destaca descobertas alarmantes: em 28 dos 31 locais amostrados (90% do total) ao longo das duas áreas costeiras distintas, foram encontrados resíduos, em alguns casos superando em quantidade os próprios peixes e invertebrados.

Lixo em bandejas
Lixo coletado nas profundezas do oceano ao longo da costa de São Paulo e Santa Catarina

"O propósito do nosso projeto é investigar a fauna marinha do ambiente profundo, compreendido entre 200 e 1.500 metros de profundidade. Notamos que, em quase todas as expedições de coleta, encontramos uma considerável quantidade de resíduos", explica Marcelo Melo, membro do Laboratório de Diversidade, Ecologia e Evolução de Peixes do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo.

Diante disso, a equipe de pesquisa optou por armazenar e analisar todo o lixo recolhido.

Para Flávia Masumoto, pesquisadora do grupo e principal autora do artigo, a quantidade de detritos encontrada foi surpreendente, o que motivou a decisão de coletar, secar, pesar, quantificar e analisar o material recolhido.

"Foi surpreendente constatar a ausência de estudos analisando a presença de detritos no oceano profundo brasileiro. Embora tenhamos encontrado algumas análises sobre lixo no oceano, estas se limitavam à costa brasileira. Isso reforçou a relevância do nosso trabalho", afirma.

A pesquisa, financiada pela Fapesp por meio de dois projetos vinculados ao Programa Biota, realizou a coleta de materiais em 16 pontos ao longo da costa de São Paulo e em 15 estações de Santa Catarina. Apenas em três locais do litoral paulista não foram encontrados detritos. No total, foram obtidos 603 itens, totalizando uma massa de 13,78 quilos.

"Embora o oceano profundo seja uma região extensa, a luz solar não penetra eficientemente para sustentar a fotossíntese, resultando na escassez de plantas e algas. Consequentemente, é uma área com baixa biomassa. É crucial ter isso em consideração ao analisar os 13 quilos de detritos encontrados, já que em certas áreas coletamos uma quantidade maior de lixo do que de peixes e invertebrados", explica Melo.

Natureza e Proveniência dos Resíduos

O plástico foi o material predominante, encontrado em todos os locais de coleta, representando 58,5% do total recolhido. Além disso, tecidos e metais foram comuns, correspondendo a 14% e 11% do lixo coletado, respectivamente. Outros itens identificados incluíram tintas catalisadas para barcos, vidro e concreto.

"Não identificamos nenhum padrão na distribuição dos detritos ao longo da profundidade; contudo, notamos uma quantidade significativamente maior de lixo em São Paulo em comparação com Santa Catarina", relata Melo.

Segundo Masumoto, essa disparidade pode estar ligada à proximidade de áreas costeiras mais urbanizadas, ao porto de Santos e à Bacia de Santos, onde há um maior tráfego de navios e a presença de plataformas de petróleo.

Há duas fontes principais de lixo marinho: o material descartado nas áreas costeiras, que é transportado pelos rios e/ou pelo vento até a costa, ou despejado diretamente na praia; e o material gerado por plataformas de petróleo e gás, embarcações, navios e outras instalações, que é descartado diretamente no oceano.

"É extremamente desafiador determinar a origem do lixo, porém, com base no tipo de detritos encontrados e na distância do continente, avaliamos que a maioria provém de embarcações ou plataformas", aponta Masumoto.

"Descobrimos diversas latas de milho e ervilha, por exemplo, além de produtos de pelo menos oito países estrangeiros identificados pelos rótulos. Embora possamos determinar com precisão o local de produção do material, não podemos afirmar com certeza onde ele foi descartado. Essa é uma das complexidades na análise do lixo oceânico."

Apesar da Lei 9.966, de 28 de abril de 2000, que proíbe o descarte direto de lixo no mar por embarcações e plataformas, os resultados da pesquisa destacam a urgência de uma conscientização e fiscalização mais eficazes.

Lixo de Origem Desconhecida

O oceano profundo é de difícil acesso e amplamente desconhecido. "Muitas vezes, presumimos que essas áreas estão livres da influência humana, mas na verdade há atividades industriais, como exploração de petróleo e gás, além da pesca", comenta Melo.

Os pesquisadores encontraram, por exemplo, animais crescendo associados aos detritos, como esponjas marinhas, poliquetas e cracas fixadas nos restos.

A presença de resíduos de milho e soja no conteúdo estomacal de um peixe-granadeiro (família Macrouridae) sugere que a fauna está ingerindo os restos de alimentos despejados diretamente no oceano, evidenciando outro tipo de impacto que ainda requer estudos mais aprofundados.

Além disso, as pesquisas estão em uma nova fase, visando avaliar a presença de microplásticos no conteúdo estomacal dos peixes previamente coletados.

"Observamos que o lixo está alcançando essas áreas também. Isso tem um impacto significativo nos organismos que habitam essa região e ainda precisamos realizar estudos mais aprofundados sobre esse tema", conclui Masumoto.

O artigo do grupo está disponível para leitura em inglês aqui.

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